segunda-feira, 24 de março de 2008

Carta de um narrador a uma personagem rebelde

Quando imagino o que fazes, vejo-te. A penumbra que me envolve dissolve-se... a dinâmica do meu ser compatibiliza-se com a do teu. Nesses momentos reduzo-me ao narrado e permuto-me em ti. No entanto, o retorno que é eterno traz de volta a penumbra obscura que te encobre. O momento em que fui como tu torna-se passado. Só a memória do que se passou me permanece, mas também ela vai sendo embrenhada pela penumbra, até que, finalmente, se desvanece. Contudo, a recordação da memória ainda me fica, e sei que existiu um conjunto de acontecimentos emparelhados que proporcionaram um instante que memorizei.


Não sei o que fizeste ontem, talvez ninguém saiba. Posso usar o pretexto de desconhecer o que és por não existires... é uma escapatória consistente, paradoxal no entanto. Se te penso é porque existes, se te referencio és. Não se pode referenciar nem pensar o inexistente. O Nada deixa de ser Nada a partir do momento em que é enunciado, porque é um conceito, uma noção, uma ideia, uma palavra.


O que me perturba não é o facto de não existires, porque existes, mesmo que seja somente em-mim. O que realmente me perturba é o facto de não saber como existes. Deparo-me com hipóteses infinitesimais do que és, verosímeis até, e não sei qual a real, nem sequer se a real existe.


Nasce o impasse...