quarta-feira, 30 de julho de 2008

Pedaços de leituras

"Sei apenas que raptaram a minha alma. Exijo que a libertem imediatamente!". (António, personagem condenada por homicídio).

in O Inimputável, de Pedro Afonso (Editora Sopa de Letras)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Férias no mármore

Ele não tem nome. Os pais, que já foram para o outro lado há um tempo que nem ele sabe muito bem, até o baptizaram. Mas à medida que eles foram fugindo da sua memória, também o seu nome e até a sua própria vida foram saindo dentro dele. Os pais gostariam que ele se estivesse especializado em alguma coisa. E, apesar de já não se lembrar dessas aspirações, ele lá cumpriu o sonho dos pais. É especialista em pés e em sapatos. A formação que teve foi-lhe dada pela sua existência, da qual ele já não tem consciência, a não ser quando passa as noites a olhar para o plasma na montra da agência de viagens.

Ele passa o dia deitado, num leito duro de mármore, tendo sempre um cão por perto. Ele, o mármore e o cão têm em comum o abandono. Um abandonou-se a si próprio, o outro foi, juntamente com o edifício onde foi encastrado, abandonado por habitantes que foram morrendo, enquanto o cão de raça que se transformou em rafeiro foi abandonado por aí num Verão qualquer. O homem já nem se considera como tal, à excepção de quando olha para o plasma na montra da agência de viagens. Não fala com ninguém, evita confrontar-se com rostos, mas conhece toda a gente pela maneira de andar, pela forma de pousar os pés, de os levantar, do barulho que fazem a bater no passeio (que em dias mais escuros lhe causam enxaquecas terríveis). Passa assim o dia inteiro. A estudar e a observar pés, sapatos, ténis, sandálias, botas.

Mas à noite sonha. Abandona por momentos o mármore duro e frio, ergue-se e caminha em direcção à montra da agência de viagens. Fica estático a olhar para o plasma onde desfilam destinos com sol, praias, casas com formas esquisitas, castelos, barcos, mulheres exóticas e sorridentes. Permanece assim durante meia hora, quase que hipnotizado, com o cão plantado a seu lado a tentar imaginar os cheiros que se escondem por trás das paisagens mostradas pelos cristais do plasma. O homem não quer saber dos cheiros. Só pensa em como é que vai conseguir levar a soleira de mármore para aquelas praias, aquelas casas com formas esquisitas, aqueles castelos, aqueles barcos e convencer aquelas mulheres exóticas e sorridentes a deitarem-se na pedra de tons rosáceos.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Vêgê frita durante 21 horas, e você?


Não sei, ainda não experimentei a minha capacidade e resistência de fritar activamente. Já passivamente, acho que estou sempre a ser frito, tipo aquele óleo usado nas tascas perto do Largo do Carmo. É que se não é alguém armado em Vêgê é o raio do tempo a fazer-me acreditar que o horizonte não passa do limite ilusório de uma infinda frigideira.