Os médicos deviam ser todos autores de tragédias gregas. Ninguém como eles domina tão bem os conceitos da
hybris e do
pathos. E, para além disso, são mestres em entrelaçarem um
mythos uno e perfeito com os numerozinhos que vêem nos resultados do exame. Exímios em conseguirem levar o paciente a atingir a
catarsis. Até parece que em vez de lerem os compêndios de medicina, passaram, isso sim, seis anos a esmiuçar a
Poética de Aristóteles. Exemplifico.
Dia 17 de Outubro, dia do último post neste blog, fui ao médico. Vinte minutos de consulta, onde o clínico fazia perguntas. Ia respondendo. Ele comentava os items constantes das folhas dos exames. "Isto está bem". "Estes níveis estão dentro do normal". De repente, assim do nada, pergunta: "E costuma beber?". Hesito, e dado que até é uma consulta de medicina no trabalho e não confio muito em sigilos profissionais, respondo: "Ah, sim. Por vezes, aos fins-de-semana, bebo uns copos com os amigos... mas nada de especial". Ele anota, parece não fazer caso. E olha para o electrocardiograma. "Você pratica desporto? É que tem coração de atleta". E com este comentário pensei, "eh pá, estou mesmo em boa forma!".
Entretanto, o tempo lá vai passando e a consulta aproxima-se do fim. De repente, o doutor tira uma folha que estava guardada à parte. "Pois, mas há aqui um problemazito". Pronto, as piores ideias vêm-me à cabeça, começo a sofrer o pathos dos heróis das tragédias gregas. E onde, quando e como é que eu desafiei o destino? De cara séria, o médico diz: "Aqui os seus níveis hepáticos estão muito acima do normal". Ok, já percebi, o álcool. Pois. Aí é que foi a hybris, utilizar o álcool para desafiar o destino. Moral da história: desde 17 de Outubro que não bebo. É aquilo a que Aristóteles chamaria a purificação catártica. E desde que bebo que não escrevo (tirando agora esta tentativa), tipo Édipo de olhos vazados.