Quando imagino o que fazes, vejo-te. A penumbra que me envolve dissolve-se... a dinâmica do meu ser compatibiliza-se com a do teu. Nesses momentos reduzo-me ao narrado e permuto-me em ti. No entanto, o retorno que é eterno traz de volta a penumbra obscura que te encobre. O momento em que fui como tu torna-se passado. Só a memória do que se passou me permanece, mas também ela vai sendo embrenhada pela penumbra, até que, finalmente, se desvanece. Contudo, a recordação da memória ainda me fica, e sei que existiu um conjunto de acontecimentos emparelhados que proporcionaram um instante que memorizei.
Não sei o que fizeste ontem, talvez ninguém saiba. Posso usar o pretexto de desconhecer o que és por não existires... é uma escapatória consistente, paradoxal no entanto. Se te penso é porque existes, se te referencio és. Não se pode referenciar nem pensar o inexistente. O Nada deixa de ser Nada a partir do momento em que é enunciado, porque é um conceito, uma noção, uma ideia, uma palavra.
O que me perturba não é o facto de não existires, porque existes, mesmo que seja somente em-mim. O que realmente me perturba é o facto de não saber como existes. Deparo-me com hipóteses infinitesimais do que és, verosímeis até, e não sei qual a real, nem sequer se a real existe.
Nasce o impasse...
18 comentários:
Pois adorei. Um texto brilhante nas questões que apresenta, no desvendar da ficção e na desconstrução do texto. Fez-me lembrar um livro que li recentemente de Paul Auster: Viagens no Scriptorium. Remete-me também para a nossa própria "ficcionalidade", como nos tornamos personagens de nós próprios quando remetemos as nossas memórias para o domínio da mente e nas recordações nos olhamos a nós próprios e narramos a nossa própria estória, muitas vezes moldando-a e adaptando-a consoante O nosso desejo...
A pensar...
olá viva...:)
pois a mim parece-me que aquela coisa de toda a literatura ser crime, de cada discípulo ter de suplantar o mestre e de cada filho ter de matar o pai... o verdadeiro nascimento do impasse... penso, às vezes, que quando não descobrímos o que procuramos é porque se calhar não saberíamos resistir à revelação da nossa própria descoberta...
gostei daquela de não saber "como existes"... que subtil e delicioso... sim, essa é uma bela questão...
É por isso que o velho (e eternamente novo) Shakespear foi rebuscar a questão ontológica no Hamlet, pois de facto 'ser ou não ser eis a questão' e não se trata somente de existir..não..de facto é 'possibilitas' como disse o outro: é possibilitar. Mas, quando olhamos os outros (o inferno Sartriano) vemo-nos emparedados em nós. Quer-se dizer, vemo-nos limitados pela nossa limitada compreensão do outro. Mas também do nós. Afinal que é o amor senão sentir um puro despojamento de nós e dos outros ede algo e no entanto sentir tudo isso como sempre presente. Ah..nada é fácil nem o dado, tudo é perene e mutável...e ainda assim algo permanece...
Uma beleza de texto, com duas palavras finais que definem tudo: "nasce o impasse".
Reduzo-me na minha incapacidade de produzir palavras relevantes ao nível das tuas.
Adorei.
Quando o Eu se transmuta naquela diáfana sensação de Outro-Eu. A carne e o espírito separados mas em valência de sentir.
Brilhante, muito mesmo. Parabéns.
Bj.
E não é essa a questão que mantém o fascinio?
Valeu a pena esperar-te.
Um beijo
Adorei
Quando encontrar palavras dignas do teu texto voltarei para comentar.
Boa semana
Queria dizer algo de espantoso, como o que acabaste de escrever. Mas só me apetece pensar, mais nada pensar. E é isso que vou fazer, pensar no existente e no inexistente. Gostei muito, não, imenso.
Saudades de letras frescas.
Abraço
então? outra ausência prolongada... (diz a rota ao nu)
Então???
Onde estás tu?
Tanto tempo...
O http://de-coracoes-humanas.blogspot.com/ vai fechar.
Vamos todos unirmos para convencer e LC e não fechar o blog. Vamos todos pedir para não desistir. Porque o blog dela também faz parte das nossas vidas…
Vai ao blog dela e perca 5 minutos a ler e a comentar.
Já chega de nos fazeres sofrer...
Epa tas feito um poeta ;)
Personagens indomaveis são uma dor de cabeça:). Perdoa a ligeireza do comentario mas tenho tendencia a simplificar as questoes existenciais. Mea culpa!
mas que leitura tão condensada em termos de análise e automutilação.
dizem que as palavras crescem como os comboios de um sábado chuvoso, algures entre o alquimista e 100 anos de solidão. se tivesse chapéu meu caro... tirava.lhe mil vezes o chapéu e as vírgulas dos ses e dos talvez e dos apenas... porque aqui existe um tudo que é todo. Mas que coisa brilhante xiça.
from someplace at 3:12
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