Chega de noite. Naquela fase da noite em que não se distingue bem se a noite ainda é velha ou se a madrugada acabou de nascer. A oscilação do tempo também ela a sente. Ora se sente nova, com a vida, e uma infinidade de amores e desamores pela frente, ora velha, com receio que a fonte dos sentires e dos afectos seque. Longa vai a noite ou curta está a madrugada e ela chega, com pezinhos de lã, para que ninguém lá na casa note a sua presença. Tem vergonha, mas o desejo é mais forte. Dirige-se para o quarto dele. Ama-o, beija-o, com a sofreguidão de quem desespera, com medo que a idade a faça deixar de ser desejada. Passa a noite toda naquilo. Sai de madrugada. Naquela fase da madrugada em que não se distingue bem se a madrugada ainda é velha ou se a manhã acabou de nascer. Pensa-se velha e sabe que a fonte dos sentires e dos afectos secou. Sente-se nova, com a esperança de ter ainda a vida e uma infinidade de amores e desamores pela frente. Longa vai a madrugada ou curta está a manhã e ela sai, com pezinhos de lã, para que ninguém lá na casa note a sua ausência.