quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Crónicas Insanas I

Zé era um rapaz forte. Admirado por todos os da aldeia, cobiçado pelas raparigas e tudo o mais. Zé, como tantos outros, teve o azar de ir às sortes. Pior, teve o azar de as sortes lhe terem batido à porta, levarem-no para Lisboa e embarcaram-no num barco. Tiraram-no do barco e despejaram-no na Guiné. Zé só por duas vezes tinha saído da sua aldeia, para fazer o exame da quarta classe e para ir às sortes. À terceira foi de vez. A sorte levou-o a ver mundo. Levou-o a ver a capital e a galgar o mar, esse elemento que nunca vira.

Mas as sortes são matreiras. Despejaram-no numa terra de guerra, onde tinha de matar para não morrer. Mas Zé não desanimava, apesar do barulho das armas e da guerra e dos silêncios forçados no mato lhe revolverem os pensamentos. Era corajoso e, para além disso, as moças escuras não ofereciam grande resistência aos seus avanços libidinosos. E, quando se faziam mais difíceis, Zé não se deixava amolecer. Afinal de contas um homem com uma arma impõe respeito e, pior que isso, perde toda a inocência e ganha toda a perversão.

Até ao dia em que uma moça qualquer que violara lhe propôs uma sessão de sexo, onde lhe percorreu todo o corpo, mas todo mesmo, com umas ervas esquisitas. Zé não se importou. Era exótico até. E imaginava que nenhuma moça da aldeia seria despudorada o suficiente para igualar aquela moça de mamas rijas como granito.

Dias depois Zé começou a ter dificuldades em mijar. "Foda-se, pareço que estou a mijar vidros porra!", exclamava cada vez que tinha de se aliviar. Entretanto a guerra acabou e Zé regressou à aldeia. Mas já não era mais o rapaz forte, admirado por todos, cobiçado pelas raparigas e tudo o mais. Foi são, regressou insano. Comentava-se até que o "coiso" de Zé tinha caído por causa das mezinhas das africanas. E ficou conhecido como o "Zé das Telhas", a quem todos pagavam minis no clube recreativo e que, sempre que ouvia o barulho de um avião, fugia de casa em pânico e a gritar: "Estão a roubar-me as telhas de casa!"

Mas nunca ninguém se importou muito com isso. Tinham mais preocupações que as telhas do Zé e, assim como assim, a sua casa não era bem uma casa. Parecia mais um palheiro que outra coisa.

18 comentários:

Marta disse...

E quem tem telhados de vidro...:)

Leonor disse...

Acho que a insanidade anda-se a esplhar por muito lado. Pode até nem ser das mezinhas como pode ser. Eu aposto mais em pedras nos rins por desidratação e traumas psicológicos pós-guerra. Gostei do texto ( e bem feita para o Zé das Telhas, fosse menos pervertido)

Anónimo disse...

Coitado do Zé... Era bom que todos os Zés, assim desses pervertidos, apanhassem a tal negrinha de seios rijos. Ou então um ou dois negrões com outras extremidades rijas. Parabéns pelo texto. Brilhante, como de costume.

Henrik disse...

quantas insanidades destas não têm um fundo de verdade...

Anónimo disse...

com o mal dos outros podemos nós bem...

Storm disse...

e caiu? se não caiu deveria ter caído...

Anónimo disse...

As vezes nem nos apercebemos da quantidade de Zés que nos rodeiam, seja pela passagem por uma guerra real seja muitas vezes por uma qualquer situação aparentemente menos assustadora!
Gosto muito de te ler...tens algo de insano que me estimula a imaginação:)
Bjo

astuto disse...

Excelente texto. É mesmo assim, há muitos "Zés" que foram sanos e vieram insanos, e a culpa não foi da moçoilas negras...

Continuo a achar o pormenor das "telhas" soberbo!

Cumprimentos.

Gasolina disse...

Um crónica sobre episódios de guerra ultramarina que a maioria desconhece. E aos seus mutilados; que não foram só os estropiados dos membros que assim voltaram.

Cada vez o nível é mais alto, cada vez gosto mais de te ler.

Um beijo, fica bem

Gasolina disse...

Ficava feliz se aceitasses o Certificado do Blog que tenho para te oferecer.

Um beijo

Mateso disse...

O Zé foi vítima de si próprio.. mas o resto foi ajuda.. desinteressada dos homens...
Bj.

S* disse...

Quantos Zés temos por aí, assustados com o barulho de um avião ou com o sussurrar de uma chave numa fechadura, consequência de guerras visíveis e de outras, internas, fechadas entre quatro paredes, aprisionadas na alma e no pensamento?

Muito bom ler um texto assim :)

**

Anónimo disse...

Do *)!0%¨#¨& este escrito!

mymind disse...

nem td o tempo apaga...
bjts

Henrik disse...

Ah Zé, rapaz forte!!!!

Alberto Oliveira disse...

... retrato de um Zé entre tantos, perdidos (ou esquecidos?) numa guerra que não era deles. A memória dos homens sempre foi curta e à medida das suas conveniências...

beleza de mulher disse...

que raio de sorte desse zé meu deus

Mateso disse...

...uff.. crítica certeira .. assim vestidinha de chita, hem?...
É necessário muito engenho... ai é, é...
Um beijo.