Conheceram-se quando ela ainda era ela, num tempo em que ela ainda tinha uma vida. Ele apareceu-lhe, ainda pequeno mas já felino, com os pêlos pretos a reflectirem os feixes de luz. Ela adoptou-o e ele assistiu à sua decadência. Agora, ela percorre as ruas da cidade, à procura de comida aqui e ali, para ela e, principalmente, para o gato. O felino viaja sempre às suas costas, como um timoneiro que lhe indica o destino, sabe-se lá para onde. Ela, cansada de definir o rumo da vida, deixou que fosse o gato a comandá-la, a guiá-la, colina abaixo, colina acima. Ela que agora parece um gato humano, ele que se assemelha a um homem felino. Ela apanhou-lhe os trejeitos, afugenta os pombos, e, há até quem diga, que mia... que lambe as suas próprias mãos. E caminha todos os dias, sem saber para onde. Não importa, o gato preto sabe. Sopra-lhe ao ouvido e ela consegue atribuir um significado a todos os sons que o gato emite. Já sobre a sua vida, os significados esqueceu-os todos. Talvez o gato preto se lembre...
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
8 comentários:
E a vida é aquilo que se era ou aquilo que se é? :) Os momentos fracturados em espaços mensuráveis em tempo são sempre pontos de situação, pontos em que nos situamos. Como por exemplo agora onde eu através de um texto teu me situo perante algo meu. E onde imagino que entre gato e mulher se revelou um sentido mais interessante que é existir sem pensamento, existir somente..
Que bela personalidade antropomórfica... afinal a de tantos ! Salta sempre que a ocasião convém... gato, cão, ave, réptil e sabe-se lá que mais... Bela sátira ao nosso género.
Bj.
Ja escrevias um post no outro blog...
bonito texto cheio de metáforas.
a história da decadência humana de quem se cansou e não consegue encontrar mais significado na sua vida...
E não haverá tanta gente assim? Que trepa por aqui e por ali esquecendo-se de tudo o resto?
Porquê um gato preto???
Um abraço
Gostei sim.
De todos os textos que deixei de ler por falta de tempo e at]e ausência, este foi o meu preferido. Talvez por este meu amor aos gatos, talvez por uma metáfora tão corpórea. Queria escrever mais e não sai. Talvez isto já baste.
Enviar um comentário