– Pudera…
– Quando passa um avião o gajo foge de casa a gritar que lhe estão a roubar as telhas…
– A mim o quê?
– Aquilo não te fez impressão?
– Eh pá, claro que fez… Há coisas que fiz que nunca contei à minha mulher… Há coisas que ainda hoje sonho com elas… mas é a vida… o que vale é que nunca fugi, ouviste bem? Nunca fugi…
– Chegaste a matar alguém?
– Merda de pergunta… se um gajo vai à guerra tem de matar…
– Remorsos? Eu… que nunca fugi? Há lá agora espaço para remorsos…
– Mas eu sinto…
– Bem me parecia… sentes remorsos por não ter ido à guerra?
– Não…
– Então?
– Matei uma mulher…
– Deixa lá isso, se soubesses as que matei só por não quererem ir para a cama comigo…
– A sério??!!
– Claro que não… estava só a brincar
– Mas mataste gente?
– Já te disse que sim... Muita… Houve uma vez que nos mandaram enterrar pessoas de uma aldeia até ao pescoço e os oficiais começaram a fazer pontaria às cabeças rentes ao chão com pedras e passaram-lhes com os jipes por cima… julgas que isto sai da cabeça de um gajo? Julgas que não choro? Às vezes choro mas nunca fugi… quero que saibas que nunca fugi…
– Sim… já sei que nunca fugiste… Mas eu não consigo viver com a morte de alguém na minha consciência…
– Mas mataste de propósito?
– Não… ia a conduzir e atropelei uma mulher… ofusquei-me com a luz do sol e atropelei-a… não me recordo muito bem desse momento, só me lembro de um fino fio de sangue escorrer-lhe pelo lado direito da boca…
– Já pensaste que se calhar não tiveste culpa?
– Não importa… a morte daquela mulher não me deixa dormir… o sentimento de culpa é tanto que parece que o mundo vai acabar…