domingo, 30 de setembro de 2007

A velha que anda sempre com um gato preto às costas

Conheceram-se quando ela ainda era ela, num tempo em que ela ainda tinha uma vida. Ele apareceu-lhe, ainda pequeno mas já felino, com os pêlos pretos a reflectirem os feixes de luz. Ela adoptou-o e ele assistiu à sua decadência. Agora, ela percorre as ruas da cidade, à procura de comida aqui e ali, para ela e, principalmente, para o gato. O felino viaja sempre às suas costas, como um timoneiro que lhe indica o destino, sabe-se lá para onde. Ela, cansada de definir o rumo da vida, deixou que fosse o gato a comandá-la, a guiá-la, colina abaixo, colina acima. Ela que agora parece um gato humano, ele que se assemelha a um homem felino. Ela apanhou-lhe os trejeitos, afugenta os pombos, e, há até quem diga, que mia... que lambe as suas próprias mãos. E caminha todos os dias, sem saber para onde. Não importa, o gato preto sabe. Sopra-lhe ao ouvido e ela consegue atribuir um significado a todos os sons que o gato emite. Já sobre a sua vida, os significados esqueceu-os todos. Talvez o gato preto se lembre...

sábado, 29 de setembro de 2007

Directas no PSD

A escolha não era muita. Mas hoje Sócrates vai dormir muito mais descansado. Afinal quem é que vai colocar o país nas mãos de uma versão sem sex-appeal de Santana Lopes?

E por falar em Santana Lopes, parece que a aplicação dos mind games de Mourinho à política podem trazer resultados positivos. Mas o antigo primeiro-ministro falhou no timing. Fossem as directas daqui a dois meses e Santana regressaria em grande. Talvez com Mourinho como presidente do partido houvesse oposição e Sócrates tivesse de começar a mostrar resultados para apresentar em 2009.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

O Mito de Sísifo

Acordar. Espreguiçar. Tomar o pequeno-almoço. Fumar um cigarro. Tomar banho. Vestir. Andar. Beber café. Andar outra vez. Descer escadas. Apanhar o metro. Inventar pensamentos no metro. Despertar do sono criativo e sair do metro. Subir escadas. Subir outras escadas (mas estas são mais fácéis porque rolantes). Andar. Chegar ao trabalho. Sentar à frente do computador. Produzir. Pausa para almoço. Sentar novamente à frente do computador. Produzir. Sair do trabalho. Descer escadas rolantes. Descer escadas apenas. Apanhar o metro. Inventar pensamentos no metro (caso o dia de produção não tenha liquefeito a mente). Sair do metro. Subir escadas. Chegar a casa. Suspirar. Fazer jantar. Jantar. Ver programas estúpidos na televisão. Dormir.

Repetir tudo no dia seguinte e no dia depois de amanhã e em todos os dias depois desses. Ser Sísifo no século XXI é mais difícil que rolar eternamente uma pedra de mármore até ao cume de uma montanha.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

O dia em que o tempo tirou férias

Houve um dia em que o sol não nasceu e em que a manhã não apareceu. As pessoas não acordaram para cumprir as suas rotinas diárias, os que não se deitaram ficaram imobilizados num sono profundo, petrificados nos passeios das ruas, os pássaros não cantaram, os jornais ficaram retidos nas gráficas, com os operários colados às máquinas, presos no tempo que deixou de o ser. O lixo não apodreceu e os cadáveres já não se decompunham. O vento não soprou e a terra, essa, não girou... permaneceu imutável como se todo o Universo tivesse sido congelado. O curso dos rios parou, as ondas deixaram de embater na areia das praias e nas rochas das falésias... Tudo deixou de ser tudo e passou a ser outra coisa qualquer que ninguém poderia saber o que era. As nuvens ficaram fixas no céu, estáticas como se tivessem sido pregadas num papel de cenário sem princípio nem fim. Os corações cessaram os seus batimentos e os cérebros não emanaram mais infinitos impulsos magnéticos (ou serão eléctricos?).

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Fundamentação da Merdafísica dos Costumes

Podia ser uma obra de Kant, mas parece que o filósofo alemão era demasiado asseado para escolher este título para um tratado. Preferiu escolher Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Ora, se os costumes estão para além do mundo físico, como é que poderão ser Merdafísica? Porque cumprir o dever pelo dever ou agir em conformidade com o dever guiados pela razão pode, muitas vezes, dar merda. E não só no sentido metafísico do termo. Ok, confesso... é um post triste e algo merdoso.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Outra vez a mulher que vende poemas

Já me reencontrei mais duas ou três vezes com a mulher que vende poemas. Ela no princípio aparenta não me reconhecer, mas depois lá se lembra: "Ah pois, você é o tal que não tem dinheiro para comprar poemas". Ao que eu não sei como reagir, porque se por um lado não faço tenções em gastar dinheiro a comprar poemas avulso, por outro ninguém gosta de se ver confrontado com a sua condição de pelintra.

Depois de várias noites sem dormir, lá pensei em arranjar uma solução mais ou menos honrosa para a próxima vez que a mulher me tentar vender um poema. Proponho-lhe aquilo a que nos mercados financeiros se chama um swap, ou, mais simples, uma troca (eu utilizo a gíria económica porque estou a encarar este assunto como se de uma grande transacção em bolsa se tratasse). E foi isso que aconteceu hoje. Saí do metro do Chiado e vi-a. Ainda hesitei, mas acabei por avançar resoluto na sua direcção. Ela dirigiu-se para mim e nem a deixei perguntar se eu gostava de poesia. Disse logo: "Já nos conhecemos". E ela: "Ah pois, você é o tal que não tem dinheiro para comprar poemas". Não me deixo amedrontar: "Pois, mas, se quiser, da próxima vez eu trago um poema meu e trocamos". Resposta: "Tudo bem, traga. E se eu achar que for bom trocamos". E eu, que pensava ingenuamente que um poema é um poema e pronto, fiquei assim um pouco para o atrapalhado. É que parecendo que não, a minha poesia é assim a dar para o fraquinho. Vá, ok, vou ser sincero... É assim um bocadinho muito má.

Tinha de pensar num plano de recurso. E rápido. Lá lhe perguntei: "E pode ser prosa?". Ela disse que sim, até porque escreve prosa poética e tudo. Fiquei mais aliviado e ficou apalavrada a altura do "negócio". Ou este Sábado, ou durante a próxima semana. Eu estava a pensar em levar para a troca o texto da "Mulher que Vende Poemas". Mas, se me quiserem ajudar, aceito sugestões. E tenho de publicar um "o Pensamentos SGPS errou". Parece que afinal o poema só custa dois euros.

PS - Peço desculpa pela ausência mais ou menos prolongada e por não ter acompanhado os vossos blogues (vou tratar do assunto esta semana).

PS I - Desafio-vos a irem ao Chiado este Sábado ou durante a próxima semana para comprarem um poema à tal mulher, ou então, para lhe sugerirem trocas. Mas, apesar de ela me dizer que iria estar por lá naquela altura, não posso garantir que efectivamente isso aconteça.

PS II - A Gasolina farta-se de me mimar. Agora distinguiu-me com um Certificado do Blog. Já estou a ficar sem jeito. Mas são pessoas como ela que nos estimulam a escrever e a pensar mais e mais. Obrigado.