segunda-feira, 11 de junho de 2007

Quanto vale um poema?

Cinco euros.

Passo a explicar: hoje, quando ia para o trabalho, fui interpelado por uma senhora. Não é que não esteja acostumado a ser interpelado por senhoras. Muitas vezes pedem-me dinheiro e cigarros ou então dão-me panfletos e jornais gratuitos. Mas a abordagem desta senhora foi diferente: "Gosta de poesia?". Ao que respondi: "Gosto, mas estou cheio de pressa". E não é mentira. Eu estou sempre cheio de pressa, porque a pressa é a característica daqueles que têm um problema intríseco com a pontualidade, mas que querem resolvê-lo.

O argumento da pressa não a convenceu: "Quer comprar um poema?". E eu: "Mas não tenho dinheiro". Também não é mentira, é que esta brincadeira de escrever em blogues não dá propriamente sustento a ninguém. "Então deixo-o ler sem pagar". Sai uma folha A4 batida a computador salpicada por versos bem versados de dentro de uma capa e comecei a ler. O poema era bom, triste mas bom (mas quem é alguém para dizer se um poema é bom, um poema é um poema e pronto). O olhar triste da mulher ansiava por uma resposta e/ou por uma compra. Tinha de comentar o poema assim de rajada. Pensei em dizer "está giro", mas da última vez que fiz este comentário sobre uma coisa artística a reacção não foi lá das melhores. Parece que estar giro é estar assim coisinho, parece a apreciação do gajo que não gostou mas não tem tomates para o dizer. E não era o caso, quer no poema, quer na outra apreciação a uma performance artística.

O melhor que consegui foi: "É bonito..." (no fundo não é muito diferente de "está giro", pois não?) "Espero apenas que as emoções do sujeito poético não sejam as do autor" (porque de facto o poema era assim a dar para o melancólico). A resposta, pronta e fria: "Mas são. Quer comprar?". Disse que não, e lá vim outra vez com o argumento da pressa e do dinheiro. Nem sequer perguntei o preço.

No resto da minha caminhada pensei: "Se o autor não se distancia do poema é porque ainda não atingiu a maturidade literária, porque as referências autobiográficas directas não aparecem nas fases maduras dos grandes poetas". Enfim... divagações. Mais tarde vim a saber que o tal poema, que não vou tentar reproduzir devido aos direitos de autor que eu tanto prezo, custava cinco euros.

Algumas horas depois vi os salários dos gestores de algumas empresas da bolsa portuguesa e concluí: "Com tanto dinheiro nunca teriam tempo para ler todos os poemas que podem comprar".

21 comentários:

Catarina Soutinho disse...

Este blog tem a capacidade de aguçar a curiosidade dos seus leitores...

Quem está por trás dos posts? Um lacónico RB aprece-me pouco para assinatura.

Mas fica bem clara a impressão digital do autor. Parabéns.

bela lugosi`s dead (F.JSAL) disse...

Eu estava para dizer que o post está muito giro, mas como já conheço a opinião do autor sobre isso, vou antes dizer que está interessante e com ritmo.É a mercantilização!!

Mulheka disse...

Olha, eu cá tb sou daquelas que tem um problema intríseco com a pontualidade... muito grave mesmo! Por mais que tente, não consigo chegar a horas a lado nenhum!!! É irritante! O que vale é que o pessoal já tá habituado!

Laurentina disse...

Olha só uma questão ...estaria a dita cuja senhora a vender os seus poemas para arranjar dinheiro para comer?!
É só uma questão...
Beijão grande

R disse...

Em princípio não precisaria de dinheiro para comer, porque não pediu dinheiro para comer, apesar de isso não significar nada. E também se precisasse de dinheiro para comer não pediria cinco euros por um poema. Podia, isso sim, ter problemas financeiros como muitos de nós temos, talvez mais graves, não sei. Mas isto sou eu a especular. O que me impressionou mais na senhora foi o olhar triste e um bocado perdido. E talvez tenha sido este o facto que me fez pensar durante bastante tempo sobre este episódio e descrevê-lo. Mas admito que pudesse ter fome, como admito que isso poderá acontecer a qualquer pessoa que esteja a pedir na rua, apesar de esta senhora não estar a pedir, estar a vender um poema. Mas, infelizmente, o número de vezes que isso acotece é tão elevado que se tentássemos ajudar todas essas pessoas depois seríamos nós a precisar de ajuda... Agora, talvez sinta um pouco de remorso de não ter conversado mais com a senhora, porque parecia triste. Mas ela estava mais interessada em vender o poema do que voltada para grandes conversas... e eu também estava mais interessado em não chegar tarde ao trabalho que a conversar. É triste, eu sei, mas são contingências dos dias que correm.

Maríita disse...

cinco euros para um autor deve ser desespero de causa. Não acredito que alguém que ame de verdade a sua obra, e não tenha problemas de dinheiro, estivesse disposto a vender um seu poema. Portanto, à pergunta, quanto vale um poema? Depende da necessidade humana e isso é mesmo muito triste.

Obrigada pela visita.

R disse...

Não é novidade vender poemas avulso. Por exemplo, em várias faculdades e feiras do livro há autores anónimos que vendem poemas próprios por uma quantia simbólica. Serve para dar a conhecer a nossa escrita, tal como nós o fazemos ao escrver em blogues. Quanto ao facto dos problemas financeiros a verdade é que a riqueza está mal distribuída, com os administradores das empresas da bolsa portuguesa, por exemplo, a auferirem largos milhões de euros ao ano.

Marta disse...

"Está giro", é a tipica expressão de quem não percebe nada de poemas! lolol

Olha, afinal já percebi porque leio tão pouca poesia! :)

Cusco disse...

Olá! Já me têm tentado vender muita coisa mas um poema assim avulso ainda não.
Porém há muitos, muitos anos atrás parece que nas feiras era prática comum esse tipo de situação, embora noutros moldes. Eram as chamadas quadras que relatavam sempre um acontecimento da zona: Uma morte, um casamento, um namoro..! Porém vinham já com o preço marcado.
Quanto vale um poema? Boa pergunta! Francamente não sei, até porque tenho o ouvido um bocado duro para a poesia….
Um abraço

Diogo disse...

A poesia desses gestores tem uma métrica substancialmente diferente.


Noutro registo:

TV Blogo – a tortura em Guantanamo vista tanto pelo prisma da Fox News como por André Azevedo Alves do blogue Insurgente

Anónimo disse...

M.a.g.n.i.f.i.c.o!

Estupendo! És um brilhante cronista.

"(mas quem é alguém para dizer se um poema é bom, um poema é um poema e pronto)" (...)

Maravilhoso, amigo.

Parabéns!

Rafeiro Perfumado disse...

Belo pensamento, RB, por vezes o pararmos mais um minuto permite-nos ter surpresas dessas. Desde que não sejam os melgas do time-sharing, claro...

Olga disse...

Nunca me apareceu ninguém a vender poemas...mas isso deu-me uma ideia para fazer no meu tempo livre!
Já me estou a imaginar na praia a pregar: "Olhó poema baratinho!".

Anónimo disse...

Este post, na minha opinião, é sem dúvida o melhor do blog. E acredito que tu estas de acordo, pois não estiveste atrasado para o comentar várias vezes.
Neste texto "autobiográfico", conceito que me suscita muitas dúvidas neste caso, escreveste de uma forma muito mais absorvente da palavra em relação ao conteúdo, do que no resto dos textos, apesar de os considerar a todos de um nível bastante bom.
Essa absorção permitiu que cada palavra se construísse e construísse algo maior que ela. O buraco do tijolo, que forma o tijolo, que forma o muro. Direi mesmo um "belo muro".
A arte da palavra-só conjugada com a palavra-para.
Parabéns de alguém que gosta e se interessa pelo que é bom.
Vou continuar a passar por cá.

Anónimo disse...

Dizes que em princípio não era a fome que a fazia vender o poema por 5euros.

Pensei um pouco, e acho que a mulher que encontraste valoriza muito o poema que fez (poema bom/poema mau) e está assim ainda muito presa a este (eu-poema). Isto não só pelo tal conteúdo autobiográfico, mas também porque te deixou ler sem pagar, por uma sede qualquer de elogio e/ou para legitimar o preço que iria pedir, que crê justo.
Não sei, mas parece-me que o texto fala de uma espécie de egocentrismo em oposição à liberdade e humildade que a palavra tem.

R disse...

Não referi que a mulher não valorizava o poema. Não é por se tentar vender uma coisa que fazemos, mesmo que seja literatura (vejam o dostoievski por exemplo), que não lhe damos valor. E é verdade que o texto fala de uma espécie de egocentrismo, já que é a narração de um acontecimento focada exlusivamente na perspectiva de quem o escreveu. Quanto à humildade e à liberdade da palavra, penso que o texto não seja uma oposição, até porque, na minha humilde opinião, a palavra pode ser tudo: liberdade, humildade, arrogância e até pode aprisionar as pessoas. Ela serve para tudo, depende é da intenção que lhe queiram dar.

Anónimo disse...

"Não referi que a mulher não valorizava o poema. Não é por se tentar vender uma coisa que fazemos, mesmo que seja literatura (vejam o dostoievski por exemplo), que não lhe damos valor"

Também não disse que ela não valorizava o poema... disse precisamente o contrário. Acho que ela o vendia tão caro por gostar dele e por achar que valia os tais 5euros. Por isso é que ela o deixou ler, porque queria a confirmação do que pensava, e uma justificação para o dinheiro que pedia.
O Dostoievski vendia a página, sim... mas fazia-o para gastar no jogo ou para comer, acho. Tu da situação dela não adiantas motivos, dizes até que é improvável que venda poemas para comer. Talvez seja louca, quem sabe, não sei, vejo tudo como um jogo egocêntrico: "O meu poema é bom, julgo-me no direito de vender-to, passa para cá 5 euros, é uma folhita mas ok, já te disse que é bom, e podes ler, e dizer-me o que achas, porque quero ouvir elogios".

R disse...

Bem visto FF

Adrianna disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Adrianna disse...

Pois ... fiquei logo cativada e não me fiquei pelo último post. Já li uns qtos e voltei aqui.
És um verdadeiro "fabricador" de escritos e eu acho que estou a reconhecer o estilo ... só podes mesmo ser TU!!! eheheheh

Por vezes a pressa é inimiga do sucesso! Quem sabe a senhora não quisesse ser tua empresária e te publicasse tudo o que escreves e inda te contratasse como "damo de companhia" ??? acho melhor nos próximos ires atento a ver se a reencontras eheheheh

S* disse...

Bem, segui as pistas após o simpático comentário deixado no meu cantinho. Comecei a ler os teus "Pensamentos SGPS" desde o início. Neste parei. Encantada. Enfeitiçada, quase. Quanto custa um poema? Bem, tenho a certeza que vou adormecer esta noite a pensar nisto. Um poema não tem preço. Atribuímos um preço - 1, 2, 5, 10 ou 20€ - mas cada poema é lido e sentido de maneira diferente por cada um, de maneira diferente à do autor quando o escreveu, por isso, talvez, não possa ter um só preço. Quanto custa um poema?

Brilhante este blog, vou linkar ;)

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