Olhar para um papel. Querer deixar escrito numa folha algo que diga o que somos e permaneça ao tempo. Que não deixe que o cancro que nos corrói e nos irá matar amanhã nos apague do mundo. Em branco. Nada. Como todos os outros que se foram. Nada. Tudo o que vivemos, o que demos e o que recebemos será esquecido pelos que ficam. Quando formos... depois de irmos... o tempo esvaziará repentinamente aquilo que passámos toda a existência a encher a conta gotas. Aquilo que somos... A folha em branco. Nada...
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
Uma questão de maiúsculas
"deus é grande, mas o Homem é maior." (Antroporípides, personagem que acredita ter inventado o conceito de deus ex machina)
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
Espacialidades
A treta do espaço. Frase ridícula o “preciso de espaço”. Mas qual espaço? O espaço não importa, consegue fazer-de desaparecer, manipular, moldar, estender e encurtar pelas linhas de uma narrativa. O espaço somos nós que o fazemos, ou por outra, usando algo mais metonímico, o espaço somos nós. “Preciso de espaço”. Porque insistem em usar esta expressão quando as relações não correm da melhor forma, ou quando os sentires se vão aos poucos deixando de se sentir. “Preciso de espaço”. É que se fosse "do" espaço ainda percebia. Ainda era uma coisa concreta, palpável, algo que se consegue definir e apontar. Agora “de espaço”. O “de espaço” encerra sei lá o quê. “Preciso de espaço”. Mas porque ninguém diz que precisa do não-espaço. O não-espaço é muito mais original para se pedir, ou para se precisar. E as pessoas não sabem, mas são mais frequentes as vezes em que se precisa do “não-espaço” que “de espaço”. Quando se tenta apagar o espaço introduzindo um pénis numa vagina. Quando se tenta escapar do mundo apertados num abraço que apaga momentaneamente todo o espaço que está à volta. Por que raio é que nessas alturas ninguém diz: “Dá-me o não-espaço”. Porque pedem espaço quando o que realmente querem é apagar o espaço que o passado ocupa? Peçam “não-espaço”.
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
Pezinhos de lã
Chega de noite. Naquela fase da noite em que não se distingue bem se a noite ainda é velha ou se a madrugada acabou de nascer. A oscilação do tempo também ela a sente. Ora se sente nova, com a vida, e uma infinidade de amores e desamores pela frente, ora velha, com receio que a fonte dos sentires e dos afectos seque. Longa vai a noite ou curta está a madrugada e ela chega, com pezinhos de lã, para que ninguém lá na casa note a sua presença. Tem vergonha, mas o desejo é mais forte. Dirige-se para o quarto dele. Ama-o, beija-o, com a sofreguidão de quem desespera, com medo que a idade a faça deixar de ser desejada. Passa a noite toda naquilo. Sai de madrugada. Naquela fase da madrugada em que não se distingue bem se a madrugada ainda é velha ou se a manhã acabou de nascer. Pensa-se velha e sabe que a fonte dos sentires e dos afectos secou. Sente-se nova, com a esperança de ter ainda a vida e uma infinidade de amores e desamores pela frente. Longa vai a madrugada ou curta está a manhã e ela sai, com pezinhos de lã, para que ninguém lá na casa note a sua ausência.
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
De senectute
Dois velhos na rua. Ela caminha normalmente e ele, agarrado a uma bengala, caminha com dificuldade. Ela acelera. Deixa-o para trás. Olha para ele, qual adolescente a fazer aquele sorriso maroto de quem vive o primeiro amor: “Não me apanhas!”
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
terça-feira, 26 de agosto de 2008
Diz que...
O pior passado que nos pode acompanhar é o passado do não dito. Os momentos em que poderíamos ter-nos revelado e não o fizemos aparecem-nos no presente e em todos os futuros presentes. O remorso de não termos dito o que realmente deveríamos ter dito destrói-nos momento a momento. A destruição de nós não é dolorosa, é imperceptível. O que nos preenche vai sendo sugado para não sei onde… esvaziamo-nos gradualmente sem darmos conta. Fazemo-nos desaparecer agarrados a um momento que já não é momento. Aprisionamo-nos num paradoxo temporal sem retorno. Perdemo-nos de nós… e nada há a fazer.
domingo, 24 de agosto de 2008
Amor em tempos de tensões geo-estratégicas
sábado, 23 de agosto de 2008
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
Espaço físico vs. o não-espaço
De repente aquela cozinha a cair aos bocados, cheia de gordura, de caruncho e onde matronas mijavam em festas exóticas foi transportada para uma outra dimensão: a do sonho e de todas as possibilidades que ele nos dá. Quase sempre boas e sempre a darem a sensação de que são reais. A enganarem-nos... As malandras das possibilidades dos sonhos.
domingo, 17 de agosto de 2008
Ainda sobre o facto de o óleo Vêgê fritar durante 21 horas
O tempo é mais persistente que o óleo Vêgê (o Dalì é que sabia). Eles bem se esforçaram, bem tentaram e aquilo não aguentou mais que 21 horas. Já o tempo, esse sacana, teve todo o tempo do mundo para aperfeiçoar o método da fritura. Ele frita aos poucos, sem que os objectos/sujeitos a fritar se apercebam do facto de estarem a ser fritos. O tempo, esse sacana, consegue fritar eternamente.
quarta-feira, 30 de julho de 2008
Pedaços de leituras
"Sei apenas que raptaram a minha alma. Exijo que a libertem imediatamente!". (António, personagem condenada por homicídio).
in O Inimputável, de Pedro Afonso (Editora Sopa de Letras)
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Férias no mármore
Ele não tem nome. Os pais, que já foram para o outro lado há um tempo que nem ele sabe muito bem, até o baptizaram. Mas à medida que eles foram fugindo da sua memória, também o seu nome e até a sua própria vida foram saindo dentro dele. Os pais gostariam que ele se estivesse especializado em alguma coisa. E, apesar de já não se lembrar dessas aspirações, ele lá cumpriu o sonho dos pais. É especialista em pés e em sapatos. A formação que teve foi-lhe dada pela sua existência, da qual ele já não tem consciência, a não ser quando passa as noites a olhar para o plasma na montra da agência de viagens.
Ele passa o dia deitado, num leito duro de mármore, tendo sempre um cão por perto. Ele, o mármore e o cão têm em comum o abandono. Um abandonou-se a si próprio, o outro foi, juntamente com o edifício onde foi encastrado, abandonado por habitantes que foram morrendo, enquanto o cão de raça que se transformou em rafeiro foi abandonado por aí num Verão qualquer. O homem já nem se considera como tal, à excepção de quando olha para o plasma na montra da agência de viagens. Não fala com ninguém, evita confrontar-se com rostos, mas conhece toda a gente pela maneira de andar, pela forma de pousar os pés, de os levantar, do barulho que fazem a bater no passeio (que em dias mais escuros lhe causam enxaquecas terríveis). Passa assim o dia inteiro. A estudar e a observar pés, sapatos, ténis, sandálias, botas.
Mas à noite sonha. Abandona por momentos o mármore duro e frio, ergue-se e caminha em direcção à montra da agência de viagens. Fica estático a olhar para o plasma onde desfilam destinos com sol, praias, casas com formas esquisitas, castelos, barcos, mulheres exóticas e sorridentes. Permanece assim durante meia hora, quase que hipnotizado, com o cão plantado a seu lado a tentar imaginar os cheiros que se escondem por trás das paisagens mostradas pelos cristais do plasma. O homem não quer saber dos cheiros. Só pensa em como é que vai conseguir levar a soleira de mármore para aquelas praias, aquelas casas com formas esquisitas, aqueles castelos, aqueles barcos e convencer aquelas mulheres exóticas e sorridentes a deitarem-se na pedra de tons rosáceos.
segunda-feira, 21 de julho de 2008
Vêgê frita durante 21 horas, e você?

Não sei, ainda não experimentei a minha capacidade e resistência de fritar activamente. Já passivamente, acho que estou sempre a ser frito, tipo aquele óleo usado nas tascas perto do Largo do Carmo. É que se não é alguém armado em Vêgê é o raio do tempo a fazer-me acreditar que o horizonte não passa do limite ilusório de uma infinda frigideira.
segunda-feira, 24 de março de 2008
Carta de um narrador a uma personagem rebelde
Quando imagino o que fazes, vejo-te. A penumbra que me envolve dissolve-se... a dinâmica do meu ser compatibiliza-se com a do teu. Nesses momentos reduzo-me ao narrado e permuto-me em ti. No entanto, o retorno que é eterno traz de volta a penumbra obscura que te encobre. O momento em que fui como tu torna-se passado. Só a memória do que se passou me permanece, mas também ela vai sendo embrenhada pela penumbra, até que, finalmente, se desvanece. Contudo, a recordação da memória ainda me fica, e sei que existiu um conjunto de acontecimentos emparelhados que proporcionaram um instante que memorizei.
Não sei o que fizeste ontem, talvez ninguém saiba. Posso usar o pretexto de desconhecer o que és por não existires... é uma escapatória consistente, paradoxal no entanto. Se te penso é porque existes, se te referencio és. Não se pode referenciar nem pensar o inexistente. O Nada deixa de ser Nada a partir do momento em que é enunciado, porque é um conceito, uma noção, uma ideia, uma palavra.
O que me perturba não é o facto de não existires, porque existes, mesmo que seja somente em-mim. O que realmente me perturba é o facto de não saber como existes. Deparo-me com hipóteses infinitesimais do que és, verosímeis até, e não sei qual a real, nem sequer se a real existe.
Nasce o impasse...
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
Crise social? Nãã! É mesmo desespero...
Parece que se sente assim um "mal estar difuso no país", que pode desembocar assim para uma qualquer coisa difícil de prever, do género crise social, e que, com toda a certeza, não trará nada de bom. O aviso é feito pela Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) e, quem quiser saber mais detalhes, pode carregar no link para ver.
Talvez tenham descoberto o perigo tarde demais. Se calhar a coisa já não vai lá, isto porque as perspectivas do comum dos portugueses, que não têm a sorte de serem gestores ou filhos de banqueiros, não são nada animadoras. Como diria Kierkegaard, o desespero é o não esperar e é a mais mortal das doenças. Quantos já desistiram de sonhar, de ter objectivos, de se cumprirem a si próprios? Sobrevive-se dia-a-dia, sem nada esperar. E o nada esperar é o desespero, a mais mortal das doenças, que muitas vezes começa assim com um "mal estar difuso".
sábado, 16 de fevereiro de 2008
A consulta
Os médicos deviam ser todos autores de tragédias gregas. Ninguém como eles domina tão bem os conceitos da hybris e do pathos. E, para além disso, são mestres em entrelaçarem um mythos uno e perfeito com os numerozinhos que vêem nos resultados do exame. Exímios em conseguirem levar o paciente a atingir a catarsis. Até parece que em vez de lerem os compêndios de medicina, passaram, isso sim, seis anos a esmiuçar a Poética de Aristóteles. Exemplifico.
Dia 17 de Outubro, dia do último post neste blog, fui ao médico. Vinte minutos de consulta, onde o clínico fazia perguntas. Ia respondendo. Ele comentava os items constantes das folhas dos exames. "Isto está bem". "Estes níveis estão dentro do normal". De repente, assim do nada, pergunta: "E costuma beber?". Hesito, e dado que até é uma consulta de medicina no trabalho e não confio muito em sigilos profissionais, respondo: "Ah, sim. Por vezes, aos fins-de-semana, bebo uns copos com os amigos... mas nada de especial". Ele anota, parece não fazer caso. E olha para o electrocardiograma. "Você pratica desporto? É que tem coração de atleta". E com este comentário pensei, "eh pá, estou mesmo em boa forma!".
Entretanto, o tempo lá vai passando e a consulta aproxima-se do fim. De repente, o doutor tira uma folha que estava guardada à parte. "Pois, mas há aqui um problemazito". Pronto, as piores ideias vêm-me à cabeça, começo a sofrer o pathos dos heróis das tragédias gregas. E onde, quando e como é que eu desafiei o destino? De cara séria, o médico diz: "Aqui os seus níveis hepáticos estão muito acima do normal". Ok, já percebi, o álcool. Pois. Aí é que foi a hybris, utilizar o álcool para desafiar o destino. Moral da história: desde 17 de Outubro que não bebo. É aquilo a que Aristóteles chamaria a purificação catártica. E desde que bebo que não escrevo (tirando agora esta tentativa), tipo Édipo de olhos vazados.
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